Artigo publicado no Jornal Opinião
Encantado/RS em 22 de julho de 2016
“Não,
não temos medo. Queremos aprender” – este é o apelo de uma adolescente de
quinze anos que mora numa das regiões mais pobres e perigosas de Bengasi, no
Front da batalha da Líbia. É lá que uma corajosa mulher trava sua batalha
particular de vencer usando apenas o saber. Fauzia Abeid prossegue dando aulas
às suas alunas sob intenso combate, explosões de bombas e disparos contínuos.
Fauzia
quer dar um senso de normalidade ao contrário da loucura da guerra que desfila
diante de seus olhos, todos os dias e noites de sua vida às suas alunas, que
querem apenas aprender. Elas fazem parte de um grupo de famílias com
pouquíssimos recursos que não encontram condições de abandonar o local e migrar
para outras áreas, distante dos conflitos.
A
escola permanecera fechada durante um ano, sofreu saques e depredações de todos
os tipos, mas em resposta ao apelo dos pais e das próprias crianças, Fauzia
enfrentou seus medos e voltou a lecionar. Com a ajuda das famílias que criaram
um fundo destinado aos consertos básicos necessários para que a escola pudesse
receber as alunas, através de um único acesso possível, um buraco na parede nos
fundos do prédio, Fauzia devolveu a elas, e a si própria, um pouco da dignidade
usurpada, manchada com dor e perdas.
Professora
e alunas trilham diariamente um caminho perigoso em busca do direito à vida, em
meio à guerra que racha o País em dezenas de facções que lutam entre si,
enquanto a educação e o direito de ir e vir fracassa, mas o comércio de armas,
jihadistas, guerreiros tribais e traficantes de pessoas prosperam. “Precisamos
viver. Precisamos de um futuro” – diz Fauzia.
Esta é apenas uma das muitas situações absurdas de uma luta egoísta onde,
para muitos, não existem defesas.
No
mundo há cerca de 124 milhões de crianças e adolescentes sem acesso à educação
básica. A concentração maior está em países onde acontecem conflitos armados e
a pergunta é: como é possível que nos tempos atuais onde a informação
tecnológica avança em ritmo acelerado, milhões de crianças, adolescentes e
adultos, dentre os quais, a maioria mulheres, extirpadas de qualquer direito,
tem suas vidas manipuladas de forma tão vil?
Segundo
a investigadora da Human
Rights Wach (HRW), organização internacional não-governamental
que defende e realiza pesquisas sobre os direitos humanos, com sede em Nova
York, Elin Martinez, os fatores responsáveis de decisão de quem pode atravessar
a porta de uma escola e quem não pode é a fraca monitoração e as precárias
políticas sociais contra a discriminação.
Exigência
de propinas, a violência, os castigos corporais, os abusos sexuais relacionados
às meninas e jovens, os casamentos infantis, a condição de refúgio em outros
países, a fome e a miséria extrema estão no topo da lista da evasão escolar e
da exclusão forçada. No Brasil 2, 8 milhões de crianças entre 4 e 17 anos,
estão fora da escola.
Há
metas, como as definidas pelo MEC (Ministério da Educação), de colocar alunos
nas escolas, há projetos para tornar mais acessível a ampliação das escolas, há
crianças com vontade de aprender e professores educadores, no mundo todo, que
querem ensinar. Muitas dessas propostas se extinguem pelo caminho, muitos
desses projetos ficam apenas no papel e na promessa, muitas crianças ainda tem
seus sonhos desfeitos, mas há uma pequena porção que vai além das próprias
forças, que transpõem muros, desviam de balas trocadas, que seguem adiante,
mesmo correndo riscos.
Há
muitas “Fauzias” no mundo, há muitas crianças iguais as nossas que precisam de
nossa voz, de nossa coragem de nossas atitudes para receber o maior e mais
valioso presente: o direito ao aprendizado digno. Fica no coração a esperança
de que nunca mais precisemos pedir: chega de guerras, queremos a paz. Queremos
humanidade.
Valesca Santos
Escritora Romancista
Membro do Conselho Municipal de
Cultura de Encantado
Acadêmica nº 28 da ALIVAT/Academia Literária do Vale do Taquari
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