quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A EDUCAÇÃO NO FRONT DE BATALHA

Artigo publicado no Jornal Opinião 
Encantado/RS em 22 de julho de 2016

“Não, não temos medo. Queremos aprender” – este é o apelo de uma adolescente de quinze anos que mora numa das regiões mais pobres e perigosas de Bengasi, no Front da batalha da Líbia. É lá que uma corajosa mulher trava sua batalha particular de vencer usando apenas o saber. Fauzia Abeid prossegue dando aulas às suas alunas sob intenso combate, explosões de bombas e disparos contínuos.

Fauzia quer dar um senso de normalidade ao contrário da loucura da guerra que desfila diante de seus olhos, todos os dias e noites de sua vida às suas alunas, que querem apenas aprender. Elas fazem parte de um grupo de famílias com pouquíssimos recursos que não encontram condições de abandonar o local e migrar para outras áreas, distante dos conflitos.

A escola permanecera fechada durante um ano, sofreu saques e depredações de todos os tipos, mas em resposta ao apelo dos pais e das próprias crianças, Fauzia enfrentou seus medos e voltou a lecionar. Com a ajuda das famílias que criaram um fundo destinado aos consertos básicos necessários para que a escola pudesse receber as alunas, através de um único acesso possível, um buraco na parede nos fundos do prédio, Fauzia devolveu a elas, e a si própria, um pouco da dignidade usurpada, manchada com dor e perdas.

Professora e alunas trilham diariamente um caminho perigoso em busca do direito à vida, em meio à guerra que racha o País em dezenas de facções que lutam entre si, enquanto a educação e o direito de ir e vir fracassa, mas o comércio de armas, jihadistas, guerreiros tribais e traficantes de pessoas prosperam. “Precisamos viver. Precisamos de um futuro” – diz Fauzia.  Esta é apenas uma das muitas situações absurdas de uma luta egoísta onde, para muitos, não existem defesas.

No mundo há cerca de 124 milhões de crianças e adolescentes sem acesso à educação básica. A concentração maior está em países onde acontecem conflitos armados e a pergunta é: como é possível que nos tempos atuais onde a informação tecnológica avança em ritmo acelerado, milhões de crianças, adolescentes e adultos, dentre os quais, a maioria mulheres, extirpadas de qualquer direito, tem suas vidas manipuladas de forma tão vil?

Segundo a investigadora da Human Rights Wach (HRW), organização internacional não-governamental que defende e realiza pesquisas sobre os direitos humanos, com sede em Nova York, Elin Martinez, os fatores responsáveis de decisão de quem pode atravessar a porta de uma escola e quem não pode é a fraca monitoração e as precárias políticas sociais contra a discriminação.

Exigência de propinas, a violência, os castigos corporais, os abusos sexuais relacionados às meninas e jovens, os casamentos infantis, a condição de refúgio em outros países, a fome e a miséria extrema estão no topo da lista da evasão escolar e da exclusão forçada. No Brasil 2, 8 milhões de crianças entre 4 e 17 anos, estão fora da escola.

Há metas, como as definidas pelo MEC (Ministério da Educação), de colocar alunos nas escolas, há projetos para tornar mais acessível a ampliação das escolas, há crianças com vontade de aprender e professores educadores, no mundo todo, que querem ensinar. Muitas dessas propostas se extinguem pelo caminho, muitos desses projetos ficam apenas no papel e na promessa, muitas crianças ainda tem seus sonhos desfeitos, mas há uma pequena porção que vai além das próprias forças, que transpõem muros, desviam de balas trocadas, que seguem adiante, mesmo correndo riscos.

Há muitas “Fauzias” no mundo, há muitas crianças iguais as nossas que precisam de nossa voz, de nossa coragem de nossas atitudes para receber o maior e mais valioso presente: o direito ao aprendizado digno. Fica no coração a esperança de que nunca mais precisemos pedir: chega de guerras, queremos a paz. Queremos humanidade.

Valesca Santos
Escritora Romancista
Membro do Conselho Municipal de Cultura de Encantado
Acadêmica nº 28 da ALIVAT/Academia Literária do Vale do Taquari