segunda-feira, 31 de março de 2014

PARTITURAS

Começa assim
algo se desprende de mim
uma gota
pontos negros,
desenhados sobre papel alvo
e a alma desbota
Identifico teu ser
na capacidade intrínseca
de extrair-me do teu céu
Anjos tocam harpas
fadas cantam desarmadas
e demônios se rendem
ao amor
ao toque
ao som
ao entoar, da tua canção
Sombras e violão
no escuro e na imensidão
sozinho
no quarto abafado
ouço teu chamado
apresso a melodia
para que te alcance
antes
O roçar da corda
alcança a dor
caça e caçador
ressonâncias,
dos nossos corpos

Poema de Valesca Pederiva publicado na revista Caderno Literário - edição 55 - Editora Pragmatha



FESTA, AOS ENCANTOS

                               
                                 Foto: Valesca Pederiva - março de 2014

Encantado pitoresco
assim descreveu o Seu Gino,
Encantado
de anedotas, causos e sino
de belezas
entre vales verdejantes
apreciam, os viajantes
Encantado
de sabores,
cores e escritores,
cantores e inventores,
de pessoas corajosas
que nunca cansam de te exaltar
Encantado grandioso
elevado,
nas torres da Matriz
para o céu,  azul anil
recebe com carinho
e nos brinda,
com passarinhos
Encantado
do rio Taquari
berço de culturas, há aqui
renova-se a cada ano
mesmo que em pranto
Encantado
minha terra
no teu encanto quero ficar
muito mais que os 99 anos
que te vejo festejar

Minha singela homenagem à minha cidade que completa 99 anos. Parabéns Encantado!!

domingo, 30 de março de 2014

SEMEADOR


                                   Foto: Valesca Pederiva

                                   
Sou semeador
de promessas
meu Senhor
deu-me asas
para pairar
deu-me pés
para pousar
deu-me o canto
para com encanto
os corações alegrar
sou semeador
da vida
nada peço em troca                                      
apenas respeito
A natureza
é meu lar
assim como
dos peixes,
o imenso mar
os poetas
vivem a me exaltar
mas há
quem nasceu para odiar
e tudo, renegar
canto
na esperança
destes corações abrandar

AMOR, UM LIVRO


                                 Foto: Valesca Pederiva

Espero
como girassóis, pelo sol
saudades
é caminho do riacho
dores
migrações de borboletas
ao vento
peço que me leve
para ti
que una as distâncias
como a luz
que se une, branda,
à escuridão
minha travessia
é solitária
deserto,
de miragens e oásis
anseio pelo ar
entre o cair do fruto
e o estourar ao chão
a incontrolável busca
ao ler a primeira página
o vento cessa
a nuvem se desfaz
as borboletas voltam
o riacho segue
então percebo
li a última página

sábado, 29 de março de 2014

AI, PASSARINHO...

Canto
ao pé
do pranto
sonho
nas nuvens
encanto
meus pés
caminham
grama
sem espinhos
ai, passarinho...
canta
teu gorgolejo
teu aconchego
ai, passarinho...
abre
tuas asas
faz-me
tua morada
canta passarinho
sons
e carinhos
só assim
não me sinto
sozinho

A ÁRVORE DE ALGODÃO


  Ontem eu sonhei que a vida era viva e colorida. perfumada, cheia de sons e risos. As pessoas se amavam incondicionalmente e respeitavam as diferenças. Os animais eram livres. Não havia rancor e inveja. As ruas eram limpas e o ar não era poluído. As doenças, resquício do que restou do passado, eram curadas sem o uso de remédios. A natureza era a principal fonte de cura, de alimentos e de recursos para uma vida confortável.

  Vivíamos em árvores. A minha, de algodão, conhecida no mundo antigo onde ainda existiam índios, como "árvore da vida". Frondosa, podia abrigar várias famílias distribuídas por seu tronco oco e seus galhos fortes. Todo o lixo produzido por cada um de nós era completamente reciclado e reaproveitado.

  Conversávamos e ríamos em família, olhávamos uns nos olhos dos outros. Abraçávamos de coração aberto. Nascíamos sem a maldade. Ela fora extinta no mundo antigo e poluído, onde a raça humana sofreu grandes transformações. Mortes, assaltos, corrupção, mentiras, traições. Nada disso fazia parte do mundo das árvores.

  Antes do fim do mundo anunciado, o homem ficou diante da verdade de suas escolhas. Não havia ar, água e comida suficiente para continuarmos vivos. Perdas irreparáveis. Guerras internas, guerras atômicas, guerras estúpidas. Soberba.

  O mundo caiu e com ele as pessoas morriam. Milhões diariamente. Doentes da alma. A natureza fora amplamente destruída restando apenas uma semente. Sua força mágica a manteve viva e latente debaixo das cinzas acumuladas sobre o solo arrasado Uma nova chance nos foi dada. Uma nova escolha.

  No sonho, estou sentada debaixo da árvore. Os flocos de algodão que se desprendem dos galhos forram o chão por onde caminhamos descalços. Os espinhos abundantes que rodeiam o tronco servem de degraus para a subida até o topo, onde temos o privilégio de estar diante do céu azul e límpido, onde avistamos o revoar dos anjos, que semeiam grãos de alegria, saúde e harmonia.

  No meu sonho não havia portas nem janelas trancadas, não havia cofres, nem senhas. O dinheiro não tinha valor e virou peça de museu. A educação a evolução e a formação espiritual dos seres humanos tornaram-se primordiais. A beleza de uma pessoa não era mais avaliada pelas condições de seu corpo, mas pela dignidade de seu coração, pela bondade de suas palavras e de seus atos.

  Ontem eu sonhei que a vida era viva. Ontem eu sonhei que tudo podia ser melhor. Hoje, acordei.

  Estou sentada sobre o chão frio da calçada, debaixo da ponte que cruza a cidade. Sozinha, suja e com fome. Sem árvores, sem flocos de algodão e sem sementes mágicas. Sem amor. Tudo de mim foi tirado. Não sei quando nem como. Apenas sei que não tenho nada. Vivo do vazio que me cerca e me ignora. Que torce o nariz e vira o rosto para algo mais belo.

  Nesse instante, em que me obrigo a levantar, um milagre acontece. Da fenda da calçada onde estive adormecida e esquecida, como o lixo fétido que me acolhe, vejo a vida me surpreender.

  Um broto nasce da semente mágica que os anjos derramaram sobre mim durante o sonho. É a árvore da vida que de mim se alimentou para renascer das cinzas do que fui. E com ela, meu mundo será de algodão.


Conto  - Coletânea: Eu e o conto, com isso e aquilo.
Autora:   VALESCA PEDERIVA

terça-feira, 25 de março de 2014

CONTEMPLAÇÃO

                             
                                          Foto: Valesca Pederiva

Diante dos meus olhos
o adormecer do dia
em brumas,
em melodias,
e meu coração ascende
como vaga-lumes
euforia
sinto,
ele está chegando
logo estarei em seus braços
e juntos
contemplaremos o amanhecer

ESQUEÇA

Esqueça
não levarei aborrecimentos
apenas fascinação
motivos fúteis
arrastados
são teus
deixo teus beijos
levo tuas lágrimas
errantes
erradas
vindas do vale
de tua garganta
esqueça
o calor ardente
sob a água gelada
o abandono
num incêndio incontrolável
esqueça
as páginas escritas
lidas, rabiscadas
sorrisos e gemidos
esqueça
a aspereza da língua
a maciez da barba
o ceder dos himens
da vida
de nós
esqueça tudo
e apenas
me ame

segunda-feira, 24 de março de 2014

ASCENSÃO

Lépido amor
zunir
de uma última agonia
extrema-unção
dos meus alentos
ascensão
dos meus tormentos
lépido amor
partícula fragmentada
dos gêneros meus
ligeiro, alegre e faceiro
lépido amor
revira-me, mamulengo
nos catabi de nossa paixão

domingo, 23 de março de 2014

PAIXÃO


A paixão
com a qual me devoras
é a mesma
com que te recebo

Não há nada, entre nós,
que impeça esse sentimento
avassalador

NEM UM DIA


  Coloco-me diante da janela olhando a esmo os campos molhados de alecrim do mato. meu coração bate fraco, quase descompassado. Lá fora, a chuva dócil e mansa penetra sem resistência alguma na terra macia, tal qual o desalento lamuriante que encharca meu coração enfraquecido desatinando-me por completo.

  Ah! Aqueles olhos verdes e fulgurantes que tantas vezes sorriram para mim há poucas horas atrás... Eles são os culpados.

  Tomo um gole do chá e aqueço minhas mãos frias, que sofrem a falta do calor que aqueles lábios misteriosos despertam em mim. Nada. Absolutamente nada acontece. Apenas o vazio do corpo frio. Recuso-me a continuar ingerindo um líquido que em nada me preenche.

  Ergo novamente meus olhos para chuva e a vejo, refletida  nas gotas que deslizam suavemente pelo vidro. Fecho meus olhos com força e o que sinto, são minhas mãos deslizando sobre sua pele úmida e quente na loucura da paixão. Abro-os, arregalo-os ao máximo forçando meus pensamentos ao momento presente.

  Pego então o livro dela, sobre a mesinha ao lado da poltrona de veludo azul, na qual estou sentado. Abro na página marcada e começo a ler. Duas frases e percebo que não estou lendo. Estou mergulhado nela.

  Não há nada capaz de desviar meus pensamentos da mulher que me virou de cabeça para baixo nesse agosto sombrio e gelado, outrora solitário. Mesmo que eu tente fechar os olhos com força para não vê-la, trancar a respiração para não sentir seu perfume de alecrim molhado, nada me afasta dela.

  Ouço agora suas palavras trazidas pelo vento, doces e alegres, sussurradas no roçar dos lábios. Vejo cores febris nas gotas da janela. É ela. Intensa e vibrante chega até mim contrariando minha tristeza nebulosa.

  Fecho o livro num rompante de fúria. Aquilo que me satisfazia não é mais suficiente. Quero-a mais do que tudo. Desejo-a, como o ar que respiro. Sinto-a com uma  força dúbia. Sem ela, meus dias são um eterno agosto gris.

  Sentindo a fragilidade assomar-se de mim, coloco-me em frente à janela. Fixo meus olhos esperançosos numa gota translúcida, que ao contrário das outras não se desfez. Esperou, com toda a sua força, os raios de sol despontar por detrás da montanha, para que pudessem preenchê-la de luz, com todas as cores do arco-íris.

  Assim como eu a espero colado ao vidro da janela.


sexta-feira, 21 de março de 2014

DUETO


Há muitas em mim
faces duplas
cores mistas
perfumes duos

porém,
apenas uma raiz

quarta-feira, 19 de março de 2014

O QUE É AMAR


                                 
                                 Há quem tente explicar o amor, porém, para se ter certeza,
                                 
                                        de fato, do que se trata, há de se esquecer das explicações
                                 
                                              e apenas, entregar-se ao não saber.

segunda-feira, 17 de março de 2014

AMAR


O amor
é luz que brilha no teu olhar
é instante, desejo de estar
é um sentimento
preso em nosso respirar
Amar
é beijar sem tocar
é misturar sem renegar
Amar é súplica
ânsia
uma dor impiedosa
tormentas do mar
Amar
é habitar na tua presença
é banquetear-se na tua inocência
é o derreter do meu inferno
no teu ingênuo olhar

domingo, 16 de março de 2014

ZOOM


1984 - Campos de Refugiados Nasir Bagh - Paquistão

  É meio dia. O sol a 50ºC penetra em minhas costas tensas enquanto aperto o botão da câmera aleatoriamente. Tenho pouco tempo. Sou levado para uma das inúmeras tendas que abrigam vidas destruídas. Ajusto o zoom e ignoro o odor que ali flutua e o suor que escorre pelo meu corpo. O grupo de meninas, todas silenciosas e obedientes, está amontoado em um canto da tenda. Meu olhar segue para uma delas. Ela me observa, atenta, de um modo discreto. Espio pela máquina, pensando que a qualquer momento serei expulso dali. A lente revela-me algo indizível. Vejo uma alma antiga presa num corpo de menina. Levei apenas dois segundos para entender que aquele olhar era um apelo mudo. Aproximo o zoom e clico mais uma vez o mistério de imensa verdade, perdido em um deserto árido. Dos olhos grandes ecoa um pranto solitário e silencioso. Pureza e encanto presentes em um corpo vazio, fruto da morte. Uma menina, de emoções afogadas na areia, flor seca nascida entre espinhos.

  Ela nada fala. Como as outras, tem medo. Mas posso ouvi-la através da lente embaçada pelo calor. Seus lamentos inócuos de dor explodem do seu olhar suave e gentil, em um tom verde translúcido sobre fundo âmbar com raios azuis. Oculta segredos. Mas não prende a esperança que voa em fios dourados. Vejo e sinto uma menina de pureza manchada por más lembranças, escondida por entre os farrapos protetores.

  O sol deita em minhas costas por sobre a tenda, penetra na minha carne e sussurra, no bafo sufocante, o que as bombas gritam no frio da noite. O mesmo sol que encanta com seu brilho, arde, queima e condena. Na tenda minúscula, sinto-me um gigante intruso e indesejado. Um usurpador de sentimentos. Ouço atrás de mim um tumulto controlado, ansioso.

  Clico a menina de pele marcada e sofrida, de olhos supremos e puros. Não sei se terei outra chance. Alguém cutuca meu ombro. Recolho-me dentro de mim e, como ela, sinto-me impotente. Alguns homens armados entram na tenda e, com gestos nervosos, me mandam sair. Obedeço. Passo por ela de cabeça baixa e a olho pela última vez. Oprimida, ela se torna igual às outras, cabisbaixa e ciente do seu destino. Morrer todos os dias, um pouco mais, vivendo cada instante.

Conto premiado - Autora: VALESCA DOS SANTOS PEDERIVA -  Primeiro Lugar no Concurso Novos Talentos da Academia Literária do Vale do Taquari - ALIVAT - publicado na Coletânea IV Escritos/Escritores - Editora Univates - ISBN 978-85-8167-061-4

Lançamento ocorrido no dia 13/03/2014 na Casa de Cultura de Lajeado/RS

EU, POESIA


                                          Foto: Valesca Pederiva

                                 No amor há sempre um poema

                                 Se, por acaso, te esqueceres de quem tu és

                                 recita poesia à tua alma, mulher

                                 e, se tudo parece terminado

                                 vire a página e continue lendo

                                 se queres encontrar teu caminho

                                 distrai a alma com poesia

                                 e quando o tempo fica cinza

                                 alegra-te, com sabedoria

FINITO AMOR

                                         
                                             Foto: Valesca Pederiva

Toma, é teu.
Para mim não serve mais.
Leva também, meu coração e com ele as lembranças daquilo que poderia ter sido um elo.
Não foi. Rompeu-se aos dissabores, aos desencantos.
Como a seda, rasgou-se e não há conserto.
Leva-o e acaba por destruí-lo.
Vês?
Ainda bate, fraco e sem disposição, sem esperança.
Prefiro ter meu peito oco como os seres sem alma.
Neles, não há melodias, não há sonhos, não há amor.
Neles, há apenas, temor.
Para os que amam como a noite ama a escuridão, a recompensa é não ter recompensa.
Mas para os que nada sentem, há o silêncio, o flutuar sem rumo, o não querer, o não saber, o não sofrer.
Amar e sofrer será o teu prêmio, teu troféu.
Eu já não existo.
Eu, depois de ti, não sou mais eu.
Sou o finito.

sábado, 15 de março de 2014

AGULHAS


 Entre rendas e bordados

agulhas e dedos picados

remonto ao passado

e sonho,

adormecer ao teu lado

sexta-feira, 14 de março de 2014

LANÇAMENTO COLETÂNEA

Lançamento da Coletânea Escritos/Escritores da Academia Literária Do Vale do Taquari - ALIVAT,
na Casa de Cultura em Lajeado / RS no dia
13/03/2014.

Meu conto: ZOOM, uma homenagem às mulheres
vítimas da guerra nos campos de refugiados
do Paquistão, conquistou primeiro lugar no concurso
promovido pela Academia.

Obrigada a todos!!!


quarta-feira, 12 de março de 2014

EU, NELA


Instigo

desafio

retrocedo

assobio

arrepio

permaneço

induzo

luzidio

endoideço

e, em ti,

desfaleço

BEIJO

Beijo
       algodão doce
Beijo
       salada agridoce
Beijo
       pão com melado
Beijo...
       só tem sabor
       se for dos teus lábios

terça-feira, 11 de março de 2014

POR DETRÁS DO TEU OLHAR

O sangue que nutre meu corpo
me aquece, ao teu olhar

E fico a imaginar o que há, detrás da lente que apontas
para mim como um farol em busca do mar,
que tem
o poder de me desnudar?

Distraída, pelos teus longos braços a me rodar segundos antes,
ouço o click, um suspirar, semelhante aos que exala
pelas manhãs, ao me beijar

E, antes de erguer meus olhos para te encontrar,
naquele instante, entre o amanhecer e o despertar,
entre o imaginar e o ter, penso

Não há nada no mundo que eu queira mais
do que esse instante, onde tenho teu suspirar e o teu clicar,
onde, mesmo distante, sinto teus lábios a me amar


segunda-feira, 10 de março de 2014

MADREPÉROLA

Emano
sons espiralados
de um amor
acabado

      Conto segredos
      sussurros doces
      do amor perdido
      por lágrimas agridoce

Da invasão ofensiva
o mistério nasce
pérolas de lágrimas
de quem não tem face

      Sou suave ao olhar
      doce ao sussurrar
      forte ao encantar
      e frágil ao ofertar

INFRUTESCÊNCIA

Nasci fecunda
do amor dos deuses

Broto da semente
que dança ao vento

Como sinos macios
abro-me em saias

Tilinto silenciosa
enfeitiçando os beijos

Elogios
recebo de graça

De mim, infrutescência
recheada de frutos

Ovários fecundos
do meu amor mais profundo

SABOR DO PECADO


O amor
         
               tem mais sabor

                                           quando

                                                           com salpicos de pecado



                                               Foto: Valesca Pederiva

Há um encanto

      na simplicidade

 que não existe
     
      no luxo



domingo, 9 de março de 2014

CONGRUÊNCIAS


A roda gira
engrenagem perfeita
de imperfeições, ligeiras
A roda gira
sentido horário
de tempo, centenário
A roda gira
bilíngue, em silêncios
A roda gira
congruente, instantes inconscientes
A roda pára
torpemente
e eu, obsequente
te abraço, loucamente

MOON


O que é o amor
senão fagulhas de dor?
O que é a entrega
senão gotas sem cor?
Seguro estou nos teus braços
Acolhido em teu coração
Envolvido por tua pele
já não sei mais o que é meu
ou o que é teu
Amor proibido, deturpado, rechaçado
Por quem nunca, jamais, entendeu o seu significado
Sou grato por tê-lo
Sou feliz, por te amar
Sim. Somos homens.
Sim. Somos sexo.
Mas antes de tudo
somos coração e alma
Em nós habita a liberdade
Sem amarras
Sem falsas moralidades
Somos lua
Somos sol
Somos amor

CARACOL


  Nos fundos do jardim, debaixo da pedra rugosa, vive o caracol. Refugiou-se do tempo, dos perigos e da vida. Sua casa, pesada, retorcida e inseparável, guarda segredos apenas seus. E além deles, arrasta o manto sombrio que ameaça devorar sua beleza madrepérola. Sua gosma chora sua dor, gruda-se ao chão, aos galhos, às folhas, às formigas e aos espinhos que afundam em suas carnes sem pedir permissão.

  Quando se soltam levam consigo fragmentos de sua essência.

  Sonhava viver em um mundo de musgo tenro e macio, benevolente, debaixo da pitangueira e ao lado dos jasmins bondosos. Mas nem todos os sonhos se realizam. Por todos os lugares que havia passado encontrou pouca benevolência e bondade. Houve muitos perigos assustadores vindo da terra, da água e do céu.

  No seu coração o caracol almejava livrar-se do peso lascado que envergava suas carnes, das cicatrizes de sua nascença, da descendência de suas origens rastejantes. Buscava desde o primeiro florir, o lugar ideal para descansar sua alma solitária e observar as faíscas douradas que caem ao solo, quase findas.

  O breu toldou seus olhos furtando a seiva que o impulsionava para a magia que transformaria sua vida vazia em algo maravilhoso.Seu rastro enfraquecido, quase imperceptível por sobre as pedras, não mais coloridas, revelavam que seu coração almejava por ela, rejeitando o não crer.

  A escuridão viria e traria com ela os sonhos que ele pintou em diversas cores e de muitas formas, que brilhava num ir e vir lampejante de esperança dourada. Sobre a pedra rugosa esperou.

  Não demorou muito para a esperança surgir e traçar seu rastro, diferente do seu, desenhando no breu, chuviscos, que caiam suaves sobre sua face fazendo cócegas e obrigando seus lábios a sorrirem. Suas carnes castigadas do rastejo sem fim, se preencheram de luz e seu coração inflou-se de paz.

  Bolhas de sabão colorido, perfumado de jasmim, estouraram em seu peito. O caracol esticou suas antenas, sensíveis e delicadas e tocou a luz. Ela explodiu em chamas gigantescas de esplendor.

  Ele então fechou os olhos, enfim, sem dor.


Gênero: CONTO     Autora: VALESCA PEDERIVA

 

sábado, 8 de março de 2014

FAROL


                                            Foto: Valesca Pederiva

Nasci sem dono
procurei num sonho
motivo de tanta aflição
um coração
entre o sol e a lua
entre a cor e a flor
o vaga-lume traçou o mapa
da verdade
nasci do húmus
no canto escuro
longe da floração
mas ao cair da tarde
quando os olhos se fecham
desperto
entre as pedras
como um farol
a guiar as ondas do mar
ilumino
o teu olhar

MULHER

Mulher
ama, chora e espera
mulher
é beleza, carinho e paixão
cabelos, boca, fragilidade e poder
um instrumento musical
a harpa dos anjos
e somente um conhecedor de suas notas
tocará nela, melodias
essência e néctar, extraídos do mais puro elemento
chuva perfumada, sol escaldante
mulher de segredos, conquistas e derrotas
pretty woman, de jeitos e trejeitos
belle femme, fatale
bella donna, sexy
mulher de sabor suave, agridoce
de temperos e condimentos, a gosto
mulher, fonte da vida
mulher, simplesmente: humana


quarta-feira, 5 de março de 2014

CREPÚSCULO

 
                                          Foto: Valesca Pederiva

Regresso
ziguezagueando
suspiro
quase sufocando
desvio
das chamas, tuas
procuro
resquícios da tua língua
crepúsculo
da meia-noite
recuo
quando encontro
teu vírus, escaldante
torturas
sem prelúdios
palavras, soltas no dilúvio
união
dos corpos, combustão

terça-feira, 4 de março de 2014

INSTANTE


                                           Foto: Valesca Pederiva

Análogo
é nosso amor
mitólogo
em nuances de cor
luz
de sua própria natureza
teorias
indefinidas em silêncios e asperezas
entre beijos
e incertezas
dias longos
de inverno astral
toques
fundos, sob lençóis
Ouça...
o ressoar
não são borboletas a voar
nem águias a piar
somos nós
no instante,
do amar




segunda-feira, 3 de março de 2014

ALÍVIO NA TEMPESTADE



                                           Foto: Valesca Pederiva


Tua delicadeza
em sedas,
tua brandura
odorífera flor,
ameaça minha quietude

                                         Teu corpo,
                                         de pétalas de tenro botão
                                         aprisiona
                                         sem piedade, meu coração
                                         procuro então,
                                         no céu,
                                         alívio para esta tempestade
                                         que em ti,
                                         não crê maldade                                                              
Porém, o céu,
em sua plenitude
sorri,
diante de tanta virtude

                                        Aceito,
                                        por hora e sempre
                                        tuas essências
                                        como um ventre
                                        que acolhe as vicissitudes

E,
enroscado como um caracol
aqueço-me
no abraço do teu cachecol

sábado, 1 de março de 2014

COLEÓPTERO EXOTÉRICO

Pudico e hedonista
empedernido e sapiente
misantrópico, dizem
do coleóptero indolente

Contumaz
vive em querelas
cofiando agruras
do alto do frontispício

Elitista
tem seu próprio decálogo
místico, elucubra hiperbólico
demarcando a macaúba

Coleóptero estranho
nada diz, tudo vê
às vezes, funesto
às vezes, exotérico

Benesses procura
prócer, pensa ser
tergiversa, já ao sopé
salamaleques e assaques

Porém, misofóbico
volta ao zênite
e de lá,
se põe a observar

Obs.: em homenagem a um grande amigo.

GOIABAS VERDES

Durante algum tempo
eu apenas esperei
Fechava os olhos
debaixo da goiabeira
e sonhava,
com fadas e aventuras
Ah! E como era bom!
Sorrir, apenas, por sorrir
Então cresci
e abri meus olhos
foi quando os sonhos
desabrocharam
e, como goiabas verdes,
que tantas vezes eu provei
apenas para sentir seu sabor amargo,
amadureceram
Um a um eu colhi
e quando vi,
a cesta transbordou
de goiabas maduras
com sementes futuras
então, voltei a sorrir

BEIJO AO VENTO

Abri a janela
e senti o beijo do vento
roubado,
como um moleque levado
suas mãos deslizam
sobre meus cabelos
e brincam na minha nuca
causando arrepios
sorrio, e sinto seu sabor
penetrar em minha língua
será igual o sabor das nuvens?
Quem dera ser uma borboleta
e brincar por entre tuas mãos
ou um pássaro,
e mergulhar em tuas ondas invisíveis
e, no teu mar áureo,
fecho os olhos para te ver mais
Ouço mantras,
em teu sussurrar
sons de sinos tibetanos
tocados por anjos
Assim, de olhos fechados,
de sorrisos experimentados
de toques
e carinhos trocados,
ponho-me a dançar
ao teu comando
É tão suave dançar
sobre o chão
Acolhida em teus braços
torno-me tua bailarina
tua cigana e tua menina
não tua dama, nem tua dona
mas apenas, tua