Amanhã eu vou te esperar, ali,
na janela do segundo andar.
Vou observar os pássaros e as borboletas que,
a me zombar, voam sem parar.
Mas não dou a mínima para zombeteiros,
tenho algo melhor a receber.
Basta um ronronar certeiro e uma esfregada
maliciosa no tornozelo esquerdo, que zás!
Ela se esquece de tudo, e do chão, acabo
no colo em um segundo.
Nesse instante, me transformo num pão
de centeio.
segunda-feira, 21 de julho de 2014
quarta-feira, 9 de julho de 2014
SE VOCÊ VIER
Se você vier
construo minha casa
de dentro para fora
que jeito outro há
de se ter um fundamento?
sob meus pés
nuvem a vagar
mas,
é tão bom voar
sem saber se
irei pousar
ergo as paredes
sentimentos aerados
por eles, raios,
sol e trevas
bolinhas e misturas
se você vier
explodem
portas e janelas
abertas
a esperar
se você vier
Valesca Pederiva
Caderno Literário Pragmatha
Edição 58
quarta-feira, 2 de julho de 2014
COM SABOR DE NOZ MOSCADA
Meu nome é Teresa e tenho noventa e sete anos. Hoje se completam sessenta e oito anos
de minha morte. Sim repito, de minha morte. Foi nesse dia que meu único e verdadeiro amor
se foi para sempre, levando consigo minha alma e, desde então anseio por estar com ele.
Sigo pela trilha ladeada de flores silvestres onde a grama é verde e macia. O sol desce por
entre as árvores e aquece meus braços desprotegidos com longos fios dourados. Ouço o
riacho cantar mais alto e ao final da trilha, avisto a margem.
Meus olhos fracos se enchem da beleza dos tons matizes. Verde musgo, verde folha, ocre,
dourado e azul. O sol reflete na água suave e bondosa que desliza por sobre pedras cor de mel que nunca se cansam de cantar.
Sento-me sobre a pedra que fica debaixo de um galho de pinheiro centenário. Meu lugar favorito. Foi aqui que juramos nosso amor e entregamos a alma, um ao outro. Ergo a barra
do vestido até os joelhos, tiro o calçado e mergulho os pés deformados pelo tempo na água
límpida e transparente que desce como grossos filetes de lágrimas das montanhas.
É fria. Arrepios percorrem meu corpo de baixo para cima. Estremeço. Então retiro meus pés gelados da água e apoio-os na borda da pedra lisa. O calor que exala dela é reconfortante.
Uma vez tendo cumprido o ritual de chegada, respiro fundo, soltando o ar num suspiro forte. Ergo meu rosto enrugado ao sol permitindo que me beije, e apenas ele. Lacrimejo. Esfrego meus olhos algumas vezes até conseguir focar o rio novamente sem aquelas manchas solares explodindo dentro do meu olhar opalescente.
Abro até a metade o fecho do meu colete e pego a carta, perdida no tempo e que retornou a mim na hora certa. Desde então, a li mais de cem vezes. Na verdade, cento e vinte três.
Desdobro-a com cuidado, deslizo o dedo indicador, trêmulo, sobre as linhas escritas em letras deitadas e elegantes. Cheiro-a.
O perfume é quase inexistente, mas ainda forte o suficiente para desfalecer-me de ilusões. Meus olhos se prendem ao trecho que se destaca de todo o resto e que faz meu coração condoer-se, de um êxtase melancólico e infinito. Sorrio tristemente para o riacho que me inebria com sons dos céus, e em voz alta, leio:
' ...ah, minha eterna e doce amada com sabor de noz moscada... quantas saudades há em meu peito sombrio e orgulhoso. Procuro-a. Onde estás agora?! No céu, no mar, na constelação de Saturno? Queria eu ser um riacho e correr, serpentear por entre as pedras e desfiladeiros para alcançá-la, antes da noite, que já me sufoca e esfria. Ah! Minha amada! Quem dera as explosões e clarões que ouço, e vejo, não muito longe daqui, fossem provocados por teus beijos em meus lábios secos.
Não, minha menina sorridente. Não... Não te amues, nem chore.
Queria enviar-te uma flor, a mais bela dentre todas, mas não resta mais nada sobre a terra enlameada senão, corpos pútridos. Oh! Que digo eu a assustar-te! Que vil homem eu sou...
Queria te dar o sol em anel, as estrelas em diamantes e flores perfumadas com sabor de beijos. Queria poder voar e em teus sonhos penetrar... Beijar-te mais uma vez. Mas apenas posso te dar minhas palavras, escritas com o coração de um poeta sufocado pela maldição. Sim! Maldita e infinda guerra! Amante cruel dos corações sem paz!
Voltar-me-ei a teus braços minha amada, sim... Minha ninfa do riacho doce.
Estavas certa tu, quando alertou-me do fim. Não há redenção para os que lutam. Volto, mas não inteiro. Já não sou mais aquele rapaz altivo e ligeiro, que em ti semeou a vida. Sou um homem jogado, como tantos outros, ao covil do inferno, as chacais do demônio...
Ah!! Grito ao céu escuro desse abismo entrincheirado, que odeio a guerra!
Depois calo-me. As bombas falam mais alto. Mas não tão alto a ponto de silenciar meu coração... Amo-te!! Grito aos ventos com cheiro de enxofre e acuo-me ao canto mais escondido da trincheira para ser esquecido ali.
Não te sofras minha amada. Sangro. É o sinal de que para mim tudo ficará para trás.
Volto a ti, aos teus braços, às tuas mãos macias e delicadas em pedaços, de palavras.
Nos teus lábios ei de reviver. Amo-te, eternamente...'
Do seu, Natal.
18 de abril de 1945, Montese, Itália.
Levanto-me da pedra, não somente com as dores do corpo, mas com a dor da infinita ausência. Dobro a carta com cuidado, afinal, ela tem sessenta e oito anos. Enfio os pés no calçado, percebendo ainda, a permanência invisível da água e o calor da pedra, aliso a saia do vestido e suspiro um beijo, ao riacho doce, para ninfa tristonha que ficou sem seu amor.
Valesca Santos - Escritora
Conto da Coletânea: Eu e o conto, com isso e aquilo
de minha morte. Sim repito, de minha morte. Foi nesse dia que meu único e verdadeiro amor
se foi para sempre, levando consigo minha alma e, desde então anseio por estar com ele.
Sigo pela trilha ladeada de flores silvestres onde a grama é verde e macia. O sol desce por
entre as árvores e aquece meus braços desprotegidos com longos fios dourados. Ouço o
riacho cantar mais alto e ao final da trilha, avisto a margem.
Meus olhos fracos se enchem da beleza dos tons matizes. Verde musgo, verde folha, ocre,
dourado e azul. O sol reflete na água suave e bondosa que desliza por sobre pedras cor de mel que nunca se cansam de cantar.
Sento-me sobre a pedra que fica debaixo de um galho de pinheiro centenário. Meu lugar favorito. Foi aqui que juramos nosso amor e entregamos a alma, um ao outro. Ergo a barra
do vestido até os joelhos, tiro o calçado e mergulho os pés deformados pelo tempo na água
límpida e transparente que desce como grossos filetes de lágrimas das montanhas.
É fria. Arrepios percorrem meu corpo de baixo para cima. Estremeço. Então retiro meus pés gelados da água e apoio-os na borda da pedra lisa. O calor que exala dela é reconfortante.
Uma vez tendo cumprido o ritual de chegada, respiro fundo, soltando o ar num suspiro forte. Ergo meu rosto enrugado ao sol permitindo que me beije, e apenas ele. Lacrimejo. Esfrego meus olhos algumas vezes até conseguir focar o rio novamente sem aquelas manchas solares explodindo dentro do meu olhar opalescente.
Abro até a metade o fecho do meu colete e pego a carta, perdida no tempo e que retornou a mim na hora certa. Desde então, a li mais de cem vezes. Na verdade, cento e vinte três.
Desdobro-a com cuidado, deslizo o dedo indicador, trêmulo, sobre as linhas escritas em letras deitadas e elegantes. Cheiro-a.
O perfume é quase inexistente, mas ainda forte o suficiente para desfalecer-me de ilusões. Meus olhos se prendem ao trecho que se destaca de todo o resto e que faz meu coração condoer-se, de um êxtase melancólico e infinito. Sorrio tristemente para o riacho que me inebria com sons dos céus, e em voz alta, leio:
' ...ah, minha eterna e doce amada com sabor de noz moscada... quantas saudades há em meu peito sombrio e orgulhoso. Procuro-a. Onde estás agora?! No céu, no mar, na constelação de Saturno? Queria eu ser um riacho e correr, serpentear por entre as pedras e desfiladeiros para alcançá-la, antes da noite, que já me sufoca e esfria. Ah! Minha amada! Quem dera as explosões e clarões que ouço, e vejo, não muito longe daqui, fossem provocados por teus beijos em meus lábios secos.
Não, minha menina sorridente. Não... Não te amues, nem chore.
Queria enviar-te uma flor, a mais bela dentre todas, mas não resta mais nada sobre a terra enlameada senão, corpos pútridos. Oh! Que digo eu a assustar-te! Que vil homem eu sou...
Queria te dar o sol em anel, as estrelas em diamantes e flores perfumadas com sabor de beijos. Queria poder voar e em teus sonhos penetrar... Beijar-te mais uma vez. Mas apenas posso te dar minhas palavras, escritas com o coração de um poeta sufocado pela maldição. Sim! Maldita e infinda guerra! Amante cruel dos corações sem paz!
Voltar-me-ei a teus braços minha amada, sim... Minha ninfa do riacho doce.
Estavas certa tu, quando alertou-me do fim. Não há redenção para os que lutam. Volto, mas não inteiro. Já não sou mais aquele rapaz altivo e ligeiro, que em ti semeou a vida. Sou um homem jogado, como tantos outros, ao covil do inferno, as chacais do demônio...
Ah!! Grito ao céu escuro desse abismo entrincheirado, que odeio a guerra!
Depois calo-me. As bombas falam mais alto. Mas não tão alto a ponto de silenciar meu coração... Amo-te!! Grito aos ventos com cheiro de enxofre e acuo-me ao canto mais escondido da trincheira para ser esquecido ali.
Não te sofras minha amada. Sangro. É o sinal de que para mim tudo ficará para trás.
Volto a ti, aos teus braços, às tuas mãos macias e delicadas em pedaços, de palavras.
Nos teus lábios ei de reviver. Amo-te, eternamente...'
Do seu, Natal.
18 de abril de 1945, Montese, Itália.
Levanto-me da pedra, não somente com as dores do corpo, mas com a dor da infinita ausência. Dobro a carta com cuidado, afinal, ela tem sessenta e oito anos. Enfio os pés no calçado, percebendo ainda, a permanência invisível da água e o calor da pedra, aliso a saia do vestido e suspiro um beijo, ao riacho doce, para ninfa tristonha que ficou sem seu amor.
Valesca Santos - Escritora
Conto da Coletânea: Eu e o conto, com isso e aquilo
Foto: Valesca Santos - 2014
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